Da revista Veja
já se disse quase tudo. Que é conservadora, reacionária, de esquerda, de
direita, elitista, sem compromisso com os fatos ou com os princípios básicos do
jornalismo. Enfim, um manancial de adjetivos desabonadores cuja lista aumenta sempre
que a revista, com suas posições e matérias, melindra sensibilidades. Exemplo antigo: reportagem de Veja de 1989 estampando
foto do cantor e compositor Cazuza com o título: “Uma vítima da Aids agoniza em
praça pública”. Exemplo recente: capa de Veja com foto de Marcela, esposa do
presidente Michel Temer, chamando para reportagem sobre a primeira-dama. Para
muitos, tratava-se de mais uma tentativa da revista de ajudar a atenuar a
rejeição dos brasileiros em relação ao desgastado presidente.
De qualquer
maneira não deixa de ser instrutivo, mesmo para os mais viscerais desafetos da
principal joia da coroa da Editora Abril, a leitura de “Roberto Civita, o dono
da banca”, do jornalista Carlos Maranhão. Trata-se da biografia de Roberto
Civita, o criador de Veja, e da história da criatura, que a despeito dos
solavancos ainda se mantém como a mais importante do grupo e a de maior
vendagem no país. Escrito com rigor jornalístico e lido com sabor de romance, a
obra resgata na verdade a trajetória da própria Editora Abril desde a sua
criação pelas mãos de Victor Civita, pai de Roberto, até os momentos difíceis impostos
pela crise profunda que se abateu sobre a mídia impressa nos primeiros anos do
século XXI.
Pelos
números, dá para se ter uma ideia da força e do tamanho da influência que, para
o bem ou para o mal, a Abril exerceu no país. Tendo como primeiro título o gibi
“Raio Vermelho”, lançado em 1950, a editora da arvorezinha viria a se
transformar num império que nos seus momentos de maior vigor chegou a empregar
mais de 10 mil profissionais e publicar nada menos que trezentos títulos. Uma
produção exuberante que balançou e ajudou a fazer governos e tirou o sono de
poderosos. E que se incorporou de tal modo à formação intelectual de
brasileiros de diversas gerações que é impossível encontrar um só nacional
instruído na faixa dos cinquenta ou sessenta anos cuja formação não tenha sido
pelo menos tangenciada por conteúdos de publicações como Os Pensadores, revista Quatro-Rodas,
Claudia, Play Boy. Além, é claro, daquela que com suas reportagens de
primeira linha passou a ser um marco do jornalismo no país, a revista Realidade.
Segundo o
autor, profissional de longo curso da Abril, a ideia do livro surgiu de uma
série de entrevistas a ele concedidas por Roberto Civita, que tinha o propósito
de organizar suas memórias para publicação. Com a morte do protagonista, em
2013, o projeto acabou sendo interrompido, até, passada a comoção inicial,
Maranhão resolver retomá-lo. Obteve autorização da família e para que suas
ligações profissionais com o grupo não viessem a comprometer o trabalho,
decidiu também afastar-se temporariamente da empresa. O resultado está em quinhentas
páginas de ótimo texto, onde o leitor irá encontrar desde célebres picuinhas do
mundo da imprensa, até revelações tipo puladas de cerca, ressentimentos,
brigas. Enfim, coisas que acontecem até nas melhores famílias.
Carlos
Maranhão, a propósito, não é maranhense, mas paranaense.